Esclarecimentos de Allan Kardec
Esclarecimentos de Allan Kardec
Autor: Allan Kardec
Carta à Sua Alteza o Príncipe G.
Revista Espírita, janeiro de 1859
PRÍNCIPE,
Vossa Alteza honrou-me dirigindo-me várias perguntas referentes ao Espiritismo; vou tentar respondê-las, tanto quanto o permita o estado dos conhecimentos atuais sobre a matéria, resumindo em poucas palavras o que o estudo e a observação nos ensinaram a esse respeito. Essas questões repousam sobre os princípios da própria ciência: para dar maior clareza à solução, é necessário ter esses princípios presentes no pensamento; permita-me, pois, tomar a coisa de um ponto mais alto, colocando como preliminares certas proposições fundamentais que, de resto, elas mesmas servirão de resposta a algumas de vossas perguntas.
Há, fora do mundo corporal visível, seres invisíveis que constituem o mundo dos Espíritos.
Os Espíritos não são seres à parte, mas as próprias almas daqueles que viveram na Terra ou em outras esferas, e que deixaram seus envoltórios materiais.
Os Espíritos apresentam todos os graus de desenvolvimento intelectual e moral. Há, por conseqüência, bons e maus, esclarecidos e ignorantes, levianos, mentirosos, velhacos, hipócritas, que procuram enganar e induzir ao mal, como os há muitos superiores em tudo, e que não procuram senão fazer o bem. Essa distinção é um ponto capital.
Os Espíritos nos cercam sem cessar, com o nosso desconhecimento, dirigem os nossos pensamentos e as nossas ações, e por aí
influem sobre os acontecimentos e os destinos da Humanidade.
Os Espíritos, freqüentemente, atestam sua presença por efeitos materiais. Esses efeitos nada têm de sobrenatural; não nos parecem tal senão porque repousam sobre bases fora das leis conhecidas da matéria. Uma vez conhecidas essas bases, o efeito entra na categoria dos fenômenos naturais; é assim que os Espíritos podem agir sobre os corpos inertes e fazê-los mover sem o concurso de nossos agentes exteriores. Negar a existência de agentes desconhecidos, unicamente porque não são compreendidos, seria colocar limites ao poder de Deus, e crer que a Natureza nos disse sua última palavra.
Todo efeito tem uma causa; ninguém o contesta. É, pois, ilógico negar a causa unicamente porque seja desconhecida.
Se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente. Quando se vê o braço do telégrafo fazer sinais que respondem a um pensamento, disso se conclui, não que esses braços sejam inteligentes, mas que uma inteligência fá-los moverem-se. Ocorre o mesmo com os fenômenos espíritas. Se a inteligência que os produz não é a nossa, é evidente que ela está fora de nós.
Nos fenômenos das ciências naturais, atua-se sobre a matéria inerte, que se manipula à vontade; nos fenômenos espíritas age-se sobre inteligências que têm seu livre arbítrio, e não estão submetidas à nossa vontade. Há, pois, entre os fenômenos usuais e os fenômenos espíritas uma diferença radical quanto ao princípio: por isso, a ciência vulgar é incompetente para julgá-los.
O Espírito encarnado tem dois envoltórios, um material que é o corpo, o outro semi-material e indestrutível que é o perispírito. Deixando o primeiro, conserva o segundo que constitui para ele uma espécie de corpo, mas cujas propriedades são essencialmente diferentes. Em seu estado normal, é invisível para nós, mas pode tornar-se momentaneamente visível e mesmo tangível: tal é a causa do fenômeno das aparições.
Os Espíritos não são, pois, seres abstratos, indefinidos, mas seres reais e limitados, tendo sua própria existência, que pensam e agem em virtude de seu livre arbítrio. Estão por toda parte, ao redor de nós; povoam os espaços e se transportam com a rapidez do pensamento.
Os homens podem entrar em relação com os Espíritos e deles receberem comunicações diretas pela escrita, pela palavra e por outros meios. Os Espíritos, estando ao nosso lado e podendo virem ao nosso chamado, pode-se, por certos intermediários, estabelecer com eles comunicações seguidas, como um cego pode fazê-lo com as pessoas que ele não vê.
Certas pessoas são dotadas, mais do que outras, de uma aptidão especial para transmitirem as comunicações dos Espíritos: são os médiuns. O papel do médium é o de um intérprete; é um instrumento do qual se servem os Espíritos: esse instrumento pode ser mais ou menos perfeito, e daí as comunicações mais ou menos fáceis.
Os fenômenos espíritas são de duas ordens: as manifestações físicas e materiais, e as comunicações inteligentes. Os efeitos físicos são produzidos por Espíritos inferiores; os Espíritos elevados não se ocupam mais dessas coisas quanto nossos sábios não se ocupam em fazerem grandes esforços: seu papel é de instruir pelo raciocínio.
As comunicações podem emanar de Espíritos inferiores, como de Espíritos superiores. Reconhecem-se os Espíritos, como os homens, pela sua linguagem: a dos Espíritos superiores é sempre séria, digna, nobre e marcada de benevolência; toda expressão trivial ou inconveniente, todo pensamento que choque a razão ou o bom senso, que denote orgulho, acrimônia ou malevolência, necessariamente, emana de um Espírito inferior.
Os Espíritos elevados não ensinam senão coisas boas; sua moral é a do Evangelho, não pregam senão a união e a caridade, e jamais enganam. Os Espíritos inferiores dizem absurdos, mentiras, e, freqüentemente, grosserias mesmo.
A bondade de um médium não consiste somente na facilidade das comunicações, mas, sobretudo, na natureza das comunicações que recebe. Um bom médium é aquele que simpatiza com os bons Espíritos e não recebe senão boas comunicações.
Todos temos um Espírito familiar que se liga a nós desde o nosso nascimento, nos guia, nos aconselha e nos protege; esse Espírito é sempre bom.
Além do Espírito familiar, há Espíritos que são atraídos para nós por sua simpatia por nossas qualidades e nossos defeitos, ou por antigas afeições terrestres. Donde se segue que, em toda reunião, há uma multidão de Espíritos mais ou menos bons, segundo a natureza do meio.
Podem os Espíritos revelar o futuro?
Os Espíritos não conhecem o futuro senão em razão de sua elevação. Os que são inferiores não conhecem mesmo o seu, por mais forte razão o dos outros. Os Espíritos superiores o conhecem, mas não lhes é sempre permitido revelá-lo. Em princípio, e por um desígnio muito sábio da Providência, o futuro deve nos ser ocultado; se o conhecêssemos, nosso livre arbítrio seria por isso entravado. A certeza do sucesso nos tiraria o desejo de nada fazer, porque não veríamos a necessidade de nos dar ao trabalho; a certeza de uma infelicidade nos desencorajaria. Todavia, há casos em que o conhecimento do futuro pode ser útil, mas deles jamais podemos ser juizes: os Espíritos no-los revelam quando crêem útil e têm a permissão de Deus; fazem-no espontaneamente e não ao nosso pedido. E preciso esperar, com confiança a oportunidade, e sobretudo não insistir em caso de recusa, de outro modo se arrisca a relacionar-se com Espíritos levianos que se divertem às nossas custas.
Podem os Espíritos nos guiar, por conselhos diretos, nas coisas da vida?
Sim, eles o podem e o fazem voluntariamente. Esses conselhos nos chegam diariamente pelos pensamentos que nos sugerem. Freqüentemente, fazemos coisas das quais nos atribuímos o mérito, e que não são, na realidade, senão o resultado de uma inspiração que nos foi transmitida. Ora, como estamos cercados de Espíritos que nos solicitam, uns num sentido, os outros no outro, temos sempre o nosso livre arbítrio para nos guiar na escolha, feliz para nós quando damos a preferência ao nosso bom gênio.
Além desses conselhos ocultos, pode-se tê-los diretos por um médium; mas é aqui o caso de se lembrar dos princípios fundamentais que emitimos a toda hora. A primeira coisa a considerar é a qualidade do médium, senão o for por si mesmo. Médium que não tem senão boas comunicações, que, pelas suas qualidades pessoais não simpatiza senão com os bons Espíritos, é um ser precioso do qual podem-se esperar grandes coisas, se todavia for secundado pela pureza de suas próprias instruções e se tomadas convenientemente: digo mais, é um instrumento providencial.
O segundo ponto, que não é menos importante, consiste na natureza dos Espíritos aos quais se dirigem, e não é preciso crer que o primeiro que chegue possa nos guiar utilmente. Quem não visse nas comunicações espíritas senão um meio de adivinhação, e em um médium uma espécie de ledor de sorte, se enganaria estranhamente. É preciso considerar que temos, no mundo dos Espíritos, amigos que se interessam por nós, mais sinceros e mais devotados do que aqueles que tomam esse título na Terra, e que não têm nenhum interesse em nos bajular e em nos enganar. Além do nosso Espírito protetor, são parentes ou pessoas que se nos afeiçoaram em sua vida, ou Espíritos que nos querem o bem por simpatia. Aqueles vêm voluntariamente quando são chamados, e vêm mesmo sem que sejam chamados; temo-los, freqüentemente, ao nosso lado sem disso desconfiar. São aqueles aos quais pode-se pedir conselhos pela via direta dos médiuns, e que os dão mesmo espontaneamente sem que lhes peça. Fazem-no sobretudo n a intimidade, no silêncio, e então quando nenhuma influência venha perturbá-los: aliás, são muito prudentes, e não se tem a temer da sua parte uma indiscrição imprópria: eles se calam quando há ouvidos demais. Fazem-no, ainda com mais bom grado, quando estão em comunicação freqüente conosco; como eles não dizem as coisas senão com o propósito e segundo a oportunidade, é preciso esperar a sua boa vontade e não crer que, à primeira vista, vão satisfazer a todos os nossos pedidos; querem nos provar com isso que não estão às nossas ordens.
A natureza das respostas depende muito do modo como se colocam as perguntas; é preciso aprender a conversar com os Espíritos como se aprende a conversar com os homens: em todas as coisas é preciso a experiência. Por outro lado, o hábito faz com que os Espíritos se identifiquem conosco e com o médium, os fluidos se combinam e as comunicações são mais fáceis; então se estabelece, entre eles e nós, verdadeiras conversações familiares; o que não dizem num dia, dizem-no em outro; eles se habituam à nossa maneira de ser, como nós à sua: fica-se, reciprocamente, mais cômodo. Quanto à ingerência de maus Espíritos e de Espíritos enganadores, o que é o grande escolho, a experiência ensina a combatê-los, e pode-se sempre evitá-los. Se não se lhes expuser, não vêm mais onde sabem perder seu tempo.
Qual pode ser a utilidade da propagação das idéias espíritas?
O Espiritismo, sendo a prova palpável, evidente da existência, da individualidade e da imortalidade da alma, é a destruição do Materialismo. Essa negação de toda religião, essa praga de toda sociedade. O número dos materialistas que foram conduzidos a idéias mais sadias é considerável e aumenta todos os dias: só isso seria um benefício social. Ele não prova somente a existência da alma e sua imortalidade; mostra o estado feliz ou infeliz delas segundo os méritos desta vida. As penas e as recompensas futuras não são mais uma teoria, são um fato patente que se tem sob os olhos. Ora, como não há religião possível sem a crença em Deus, na imortalidade da alma, nas penas e nas recompensas futuras, se o Espiritismo conduz a essas crenças aqueles em que estavam apagadas, disso resulta que é o mais poderoso auxiliar das idéias religiosas: dá a religião àqueles que não a têm; fortifica-a naqueles em que ela é vacilante; consola pela certeza do futuro, faz aceitar com paciência e resig nação as tribulações desta vida, e afasta do pensamento do suicídio, pensamento que se repele naturalmente quando se lhe vê as conseqüências: eis porque aqueles que penetraram esses mistérios estão felizes com isso; é para eles uma luz que dissipa as trevas e as angústias da dúvida.
Se considerarmos agora a moral ensinada pelos Espíritos superiores, ela é toda evangélica, é dizer tudo: prega a caridade cristã em toda a sua sublimidade; faz mais, mostra a necessidade para a felicidade presente e futura, porque as conseqüências do bem e do mal que fizermos estão ali diante dos nossos olhos. Conduzindo os homens aos sentimentos de seus deveres recíprocos, o Espiritismo neutraliza o efeito das doutrinas subversivas da ordem social.
Essas crenças não podem ser um perigo para a razão?
Todas as ciências não forneceram seu contingente às casas de alienados? É preciso condená-las por isso? As crenças religiosas não estão ali largamente representadas? Seria justo, por isso, proscrever a religião? Conhecem-se todos os loucos que o medo do diabo produziu? Todas as grandes preocupações intelectuais levam à exaltação, e podem reagir lastimavelmente sobre um cérebro fraco; teria fundamento ver-se no Espiritismo um perigo especial a esse respeito, se ele fosse a causa única, ou mesmo preponderante, dos casos de loucura. Faz-se grande barulho de dois ou três casos aos quais não se daria nenhuma atenção em outra circunstância; não se levam em conta, ainda, as causas predisponentes anteriores. Eu poderia citar outras nas quais as idéias espíritas, bem compreendidas, detiveram o desenvolvimento da loucura. Em resumo, o Espiritismo não oferece, sob esse aspecto, mais perigo que as mil e uma causas que a produzem diariamente; digo mais, que ele as oferece muito menos, naq uilo que ele carrega em si mesmo seu corretivo, e que pode, pela direção que dá às idéias, pela calma que proporciona ao espírito daqueles que o compreende, neutralizar o efeito de causas estranhas. O desespero é uma dessas causas; ora, o Espiritismo, fazendo-nos encarar as coisas mais lamentáveis com sangue frio e resignação, nos dá a força de suportá-las com coragem e resignação, e atenua os funestos efeitos do desespero.
As crenças espíritas não são a consagração das idéias supersticiosas da Antigüidade e da Idade Média, e não podem recomendá-las?
As pessoas sem religião não taxam de superstição a maioria das crenças religiosas? Uma idéia não é supersticiosa senão porque ela é falsa; cessa de sê-lo se se torna uma verdade. Está provado que, no fundo da maioria das superstições, há uma verdade ampliada e desnaturada pela imaginação. Ora, tirar a essas idéias todo seu aparelho fantástico, e não deixar senão a realidade, é destruir a superstição: tal é o efeito da ciência espírita, que coloca a nu o que há de verdade ou de falso nas crenças populares. Por muito tempo, as aparições foram vistas como uma crença supersticiosa; hoje, que são um fato provado, e, mais que isso, perfeitamente explicado, elas entram no domínio dos fenômenos naturais. Seria inútil condená-las, não as impediria de se produzirem; mas aqueles que delas tomam conhecimento e as compreendem, não somente não se amedrontam, mas com elas ficam satisfeitos, e é a tal ponto que aqueles que não as têm desejam tê-las. Os fenômenos incompreendidos deixam o camp o livre à imaginação, são a fonte de uma multidão de idéias acessórias, absurdas, que degeneram em superstição. Mostrai a realidade, explicai a causa, e a imaginação se detém no limite do possível; o maravilhoso, o absurdo e o impossível desaparecem, e com eles a superstição; tais são, entre outras, as práticas cabalísticas, a virtude dos sinais e das palavras mágicas, as fórmulas sacramentais, os amuletos, os dias nefastos, as horas diabólicas, e tantas outras coisas das quais o Espiritismo, bem compreendido, demonstra o ridículo.
Tais são, Príncipe, as respostas que acreditei dever fazer às perguntas que me haveis dado a honra em me endereçar, feliz se elas podem corroborar as idéias que Vossa Alteza já possui sobre essas matérias, e vos levar a aprofundar uma questão de tão alto interesse; mais feliz ainda se meu concurso ulterior puder ser para vós de alguma utilidade.
Com o mais profundo respeito, sou, de Vossa Alteza, o muito humilde e muito obediente servidor,
Allan Kardec
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Estudar Kardec para discernimento doutrinário
Estudar Kardec para discernimento doutrinário
Autor: J. Herculano Pires
Há muitas confusões, feitas intencionalmente ou não, entre o Espiritismo e numerosas formas de crendice popular, inclusive as formas de sincretismo religioso afro-brasileiro, hoje largamente difundidas. adversários da doutrina espírita costumam fazer intencionalmente essas confusões, com o fim de afastar do Espiritismo as pessoas cultas. Por outro lado, alguns espíritas mal-orientados, que não conhecem a própria doutrina, colaboram nesse trabalho de confusão, admitindo como doutrinárias as mais estranhas manifestações mediúnicas e as mais evidentes mistificações.
Alguns leitores se mostram justamente alarmados com a larga aceitação que vem tendo, em certos meios doutrinários, práticas de Umbanda e comunicações de Ramatis. E nos escrevem a respeito, pedindo uma palavra nossa sobre esses assuntos. Na verdade, já escrevemos numerosas crônicas tratando da necessidade de vigilância nos meios espíritas, de maior e mais seguro conhecimento dos nossos princípios, e apontando os perigos decorrentes do entusiasmo fácil, da aceitação apressada de certas inovações. Mas, para atender às solicitações, voltaremos hoje ao assunto.
Kardec dizia, com muita razão, que os adeptos demasiado entusiastas são mais perigosos para a doutrina do que os próprios adversários. Porque estes, combatendo o que não conhecem, evidenciam a própria fraqueza e contribuem para o esclarecimento do povo, enquanto os adeptos de entusiasmo fácil comprometem a causa. O que estamos vendo hoje, no meio espírita brasileiro, não é mais do que a confirmação dessa assertiva do codificador. Espíritas demasiado entusiastas estão sempre prontos a receber qualquer “nova revelação” que lhes seja oferecida, e a divulgá-la sofregadamente, como verdades incontestáveis. Que diferença entre o equilíbrio e a ponderação de Kardec e essa afoiteza inútil e prejudicial!
No tocante à Umbanda, já dissemos aqui, numerosas vezes, que se trata de uma forma de sincretismo religioso, ou seja, de mistura de religiões e cultos, com a qual o Espiritismo nada tem a ver. As formas de sincretismo religioso são, praticamente, as nebulosas sociais de que nascem as novas religiões. A Umbanda já superou a fase inicial de nebulosa, estando agora em plena fase de condensação. E por isso que ela se difunde com mais intensidade. Já se pode dizer que é uma nova religião, formada com elementos das crenças africanas e indígenas, misturados a crenças e formas de culto do catolicismo e do islamismo em franco desenvolvimento entre nós. O Espiritismo não participou da sua formação, embora os nossos sociólogos, em geral, exatamente por desconhecerem o Espiritismo, digam o contrário, pois confundem o mediunismo primitivo, de origem africana e indígena, com os princípios de uma doutrina moderna. Nós, espíritas, devemos respeitar na Umbanda uma religião nascente, mas não podemos admitir confusões entre as suas práticas sincréticas e as práticas espíritas.
Quanto às mensagens de Ramatis, também já tivemos ocasião de declarar que se trata de mensagens mediúnicas a serem examinadas. De nossa parte, consideramo-las como mensagens confusas, dogmáticas, vazadas na linguagem típica dos espíritos pseudo-sábios, a que Kardec se refere na escala espírita de O Livro dos Espíritos. Cheias de afirmações absurdas, e até mesmo contraditórias, essas mensagens revelam uma fonte que devia ser encarada com menos entusiasmo e com mais cautela pelos espíritas. Em geral, nossos confrades se entusiasmam com “as novas revelações” aparentemente contidas nas mesmas, esquecendo-se de passá-las, como aconselhava Kardec, pelo crivo da razão.
O que temos de aconselhar a todos, pelo menos a todos os que nos consultam a respeito, é mais leitura e mais estudo de Kardec, e menos atenção a espíritos que tudo sabem e a tudo respondem com tanta facilidade, usando sempre uma linguagem envolvente, em que nem todos sabem dividir a verdade do erro. “O Espiritismo”, dizia Cairbar Schutel, “é uma questão de bom-senso”. Procuremos andar de maneira sensata, na aceitação de mensagens mediúnicas.
Extraído do livro: O Mistério do Bem e do Mal
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O Livro dos Espíritos – Conclusão – itens 5, 6, 7 e 8
O Livro dos Espíritos – Conclusão – itens 5, 6, 7 e 8
Autor: Allan Kardec
Seria fazer uma idéia muito falsa do Espiritismo acreditar que sua força vem das manifestações materiais e que, impedindo essas manifestações, pode-se miná-lo em sua base. Sua força está na filosofia, no apelo que faz à razão, ao bom senso. Na Antiguidade, era objeto de estudos misteriosos, cuidadosamente escondidos do povo. Hoje, não tem segredos para ninguém; fala uma linguagem clara, sem equívocos. Nele não há nada de místico, nada de alegorias passíveis de falsas interpretações; quer ser compreendido por todos, porque chegou o tempo de as pessoas conhecerem a verdade; longe de se opor à difusão da luz, ele a revela para todas as pessoas. Não exige uma crença cega, quer que se saiba por que se crê; ao se apoiar na razão, será sempre mais forte do que aqueles que se apóiam no nada. Os obstáculos que tentassem antepor à liberdade das manifestações poderiam lhe dar fim? Não, porque só produziriam o efeito de todas as perseguições: o de estimular a curiosidade e o desejo de conhecer o que é proibido. Por outro lado, se as manifestações espíritas fossem privilégio de um único homem, ninguém duvida que, pondo esse homem de lado, as manifestações acabariam. Infelizmente, para os adversários, elas estão ao alcance de todos, desde o simples até o sábio, desde o palácio até ao mais humilde casebre; qualquer um pode a elas recorrer. Pode-se proibir que sejam feitas em público; mas sabe-se precisamente que não é em público que elas se produzem melhor, e sim reservadamente. Portanto, como cada um pode ser médium, quem pode impedir uma família no seu lar, um indivíduo no silêncio de seu gabinete, o prisioneiro na cela, de ter comunicação com os Espíritos, apesar da proibição dos seus opositores e mesmo na presença deles?
Se as proíbem em um país poderão impedi-las nos países vizinhos, no mundo inteiro, uma vez que não há um país, em qualquer dos continentes, onde não haja médiuns? Para prender todos os médiuns seria preciso prender a metade da população humana; se até mesmo chegassem, o que não seria muito fácil, a queimar todos os livros espíritas, estariam reproduzidos no dia seguinte, porque sua fonte é inatacável, e não se podem prender nem queimar os Espíritos, que são seus verdadeiros autores.
O Espiritismo não é obra de um homem; ninguém se pode dizer seu criador, porque ele é tão antigo quanto a Criação; encontra-se por toda parte, em todas as religiões e na religião Católica ainda mais, e com mais autoridade do que em qualquer outra, porque nela se encontram os mesmos princípios: os Espíritos de todos os graus, suas relações ocultas e patentes com os homens, os anjos de guarda, a reencarnação, a emancipação da alma durante a vida, a dupla vista, as visões, as manifestações de todos os gêneros, as aparições e até mesmo as aparições tangíveis, isto é, as materializações. Com relação aos demônios, não passam de maus Espíritos e, salvo a crença de que foram destinados ao mal por toda a eternidade, enquanto o caminho do progresso está livre para os outros existe entre eles apenas a diferença de nome.
O que faz a ciência espírita moderna? Ela reúne num corpo de doutrina o que estava esparso; explica em termos próprios o que estava somente em linguagem alegórica; elimina o que a superstição e a ignorância produziram para deixar apenas a realidade e o positivo: eis seu papel; mas o de fundadora não lhe cabe. A Doutrina Espírita mostra o que é, coordena, mas não cria nada, por isso suas bases são de todos os tempos e de todos os lugares. Quem, pois, ousaria se acreditar forte o suficiente para abafá-la com sarcasmos e até mesmo com a perseguição? Se a proibirem num lugar, renasce em outros, no próprio terreno de onde a expulsaram, porque está na natureza e não é dado ao homem anular uma força da natureza nem opor seu veto aos decretos de Deus.
Afinal, que interesse haveria em entravar a propagação das idéias espíritas? Essas idéias, é bem verdade, se opõem aos abusos que nascem do orgulho e do egoísmo. Porém, esses abusos de que alguns se aproveitam prejudicam a coletividade humana que, portanto, será favorável às idéias espíritas, que terão como adversários sérios apenas aqueles que são interessados em manter esses abusos. Por sua influência, ao contrário, essas idéias, tornando os homens melhores uns para com os outros, menos ávidos dos interesses materiais e mais resignados aos decretos da Providência, são uma certeza de ordem e de tranqüilidade.
7
O Espiritismo se apresenta sob três aspectos diferentes: as manifestações, os princípios de filosofia e de moral que delas decorrem e a aplicação desses princípios; daí, três classes, ou três graus, entre os espíritas:
1ª) aqueles que acreditam nas manifestações e se limitam em constatá-las: para eles, o Espiritismo é uma ciência experimental;
2ª) aqueles que compreendem suas conseqüências morais;
3ª) aqueles que praticam ou se esforçam para praticar essa moral.
Seja qual for o ponto de vista, científico ou moral, sob o qual se considerem esses fenômenos, cada um deles significa que é uma ordem totalmente nova de idéias que surge, cujas conseqüências resultarão numa profunda modificação na humanidade, e também compreende que essa modificação pode apenas acontecer no sentido do bem.
Quanto aos adversários, pode-se também classificá-los em três categorias: 1ª) aqueles que negam sistematicamente tudo o que é novo ou que não vem deles e que falam disso sem conhecimento de causa. A essa classe pertencem os que não admitem nada fora da evidência dos sentidos; não viram nada, nada querem ver e ainda menos se aprofundar. Ficariam até mesmo aborrecidos se vissem as coisas muito claramente, com medo de serem forçados a admitir que não têm razão. Para eles, o Espiritismo é uma fantasia, uma loucura, uma utopia; ele não existe: está dito tudo. São os incrédulos de propósito. Ao lado deles, pode-se colocar aqueles que não se dignam em dar aos fatos a mínima atenção, nem por desencargo de consciência, e poderem dizer: quis ver e nada vi. Não compreendem que seja preciso mais de meia hora para se dar conta de toda uma ciência. 2ª) Aqueles que, sabendo muito bem o que pensar da realidade dos fatos, os combatem, todavia, por motivos de interesse pessoal. Para eles, o Espiritismo existe, mas têm medo de suas conseqüências; atacam-no como a um inimigo. 3ª) aqueles que encontram na moral espírita uma censura muito severa aos seus atos e às suas tendências. O Espiritismo, levado a sério, os incomodaria; eles nem o rejeitam nem o aprovam: preferem fechar os olhos. Os primeiros são dominados pelo orgulho e pela presunção; os segundos, pela ambição; os terceiros, pelo egoísmo. Compreende-se que essas causas de oposição, não tendo nada de sólido, devem desaparecer com o tempo, porque procuraríamos em vão uma quarta classe de antagonistas, opositores que se apoiassem em provas contrárias, concretas, e apresentassem um estudo contestador mas bem claro da questão. Todos apenas opõem a negação, nenhum oferece demonstração séria e irrefutável.
Seria esperar demais da natureza humana acreditar que ela possa se transformar subitamente pelas idéias espíritas. A ação da idéia espírita não é claramente nem a mesma, nem no mesmo grau em todos aqueles que as professam. Mas, seja qual for o resultado, por pequeno que seja, é sempre um melhoramento, bastará apenas provar a existência de um mundo extra-corpóreo, o que implica a negação das doutrinas materialistas. Isso é a própria conseqüência da observação dos fatos. Porém, para os que compreendem o Espiritismo filosófico e nele vêem além dos fenômenos mais ou menos curiosos, os efeitos são outros. O primeiro, e mais geral, é de desenvolver o sentimento religioso até mesmo naquele que, sem ser materialista, sente apenas indiferença pelas coisas espirituais. Disso resultará para ele a serenidade perante a morte; porém, em vez de desprezar ou desejar a morte, o espírita defenderá sua vida como outro qualquer, mas tranqüilamente aceita, sem lamentos, uma morte inevitável como uma coisa mais feliz do que temível, pela certeza que tem do que lhe acontecerá. O segundo efeito, quase tão geral quanto o primeiro, é a resignação nas alternâncias da vida. O Espiritismo faz ver as coisas de tão alto que a vida terrestre passa a ter a sua verdadeira importância e o homem não se aflige tanto com os tormentos que o acompanham: daí, quanto mais coragem nas aflições, mais moderação nos desejos; daí também o afastamento do pensamento de abreviar seus dias, porque a ciência espírita ensina que, pelo suicídio, perde-se sempre o que se queria ganhar. A certeza de um futuro que depende de nós mesmos tornar feliz, a possibilidade de estabelecer relações com seres que nos são queridos oferecem ao espírita uma consolação suprema. Seu horizonte se amplia até ao infinito pelo espetáculo incessante que tem da vida além da morte, da qual pode sondar os mistérios profundos. O terceiro efeito é estimular no homem o perdão e a tolerância para com os defeitos dos outros. Mas é preciso ficar claro que o princípio egoísta e tudo que dele decorre são o que existe de mais obstinado no homem e, conseqüentemente, o mais difícil de arrancar pela raiz. Fazemos sacrifícios voluntariamente, contanto que nada custem e de nada nos privem. O dinheiro ainda é, para o maior número de pessoas, um atrativo irresistível, e bem poucos compreendem a palavra supérfluo, quando se trata de sua pessoa. Assim a renúncia da personalidade é sinal do mais eminente progresso.
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Os Espíritos, perguntam certas pessoas, nos ensinam uma moral nova, superior à que ensinou o Cristo? Se essa moral é a do Evangelho, para que serve o Espiritismo? Esse raciocínio assemelha-se ao do califa Omar, referindo-se à biblioteca de Alexandria: “Se ela contém, dizia ele, apenas o que existe no Alcorão, é inútil; portanto, deve ser queimada. Se contém outra coisa, é má; portanto, ainda é preciso queimá-la”. Não, o Espiritismo não ensina uma moral diferente da de Jesus; mas perguntaremos: Antes de Cristo os homens não tinham a lei dada por Deus a Moisés? Sua doutrina não se encontra no Decálogo? Por isso, se dirá que a moral de Jesus era inútil? Perguntaremos ainda àqueles que negam a utilidade da moral espírita: por que a do Cristo é tão pouco praticada e porque os que lhe proclamam com justiça a sublimidade são os primeiros a violar a primeira de suas leis: a caridade universal? Os Espíritos vêm não apenas confirmá-la, mas mostram sua utilidade prática; tornam inteligíveis e claras verdades que tinham sido ensinadas apenas sob forma alegórica; e, ao lado da moral, vêm definir os problemas mais profundos da psicologia.
Jesus veio mostrar aos homens o caminho do verdadeiro bem; porque Deus, que o enviou para fazer lembrar sua lei desprezada, não enviaria hoje Espíritos para lhes lembrar de novo e com mais precisão, quando a esquecem para tudo sacrificar ao orgulho e à cobiça? Quem ousaria impor limites ao poder de Deus e Lhe traçar normas? Quem nos diz que, como afirmam os Espíritos, não são chegados os tempos preditos e que não chegamos ao tempo em que as verdades mal compreendidas ou falsamente interpretadas devam ser abertamente reveladas à humanidade para apressar seu adiantamento? Não há algo de providencial nessas manifestações que se produzem simultaneamente em todos os pontos do globo? Não é apenas um único homem, ou um profeta, que vem nos advertir. A luz surge de todas as partes. É um mundo totalmente novo que se desdobra aos nossos olhos. Assim como a invenção do microscópio nos mostrou o mundo dos infinitamente pequenos que desconhecíamos que existissem e o telescópio nos mostrou milhares de sóis e planetas que também desconhecíamos, as comunicações espíritas revelam o mundo invisível que nos cerca, cujos habitantes se acotovelam conosco constantemente e, contra nossa vontade, tomam parte em tudo que fazemos. Mais algum tempo e a existência desse mundo, que nos espera, também será tão incontestável quanto o mundo microscópico e dos sóis e planetas que giram no espaço. De nada, então, nos valerá nos terem feito conhecer todo um mundo? De nos ter iniciado nos mistérios da vida além-morte? É verdade que essas descobertas, se assim podemos chamar, contrariam de certo modo certas idéias pré-estabelecidas. Mas todas as grandes descobertas científicas não modificaram igualmente, e até mesmo derrubaram, as idéias de maior crédito? E não foi preciso que nosso amor-próprio se curvasse diante da evidência?
O mesmo acontecerá com relação ao Espiritismo e, em pouco tempo, ele terá o direito de ser citado entre os conhecimentos humanos.
As comunicações com os seres desencarnados deram por resultado nos fazer compreender a vida futura, fazendo com que a vejamos, nos preparando para os sofrimentos e prazeres que nos esperam segundo nossos méritos e por isso mesmo encaminhar para o espiritualismo aqueles que viam nos homens apenas a matéria, a máquina organizada. Também tivemos razão em dizer que o Espiritismo matou o materialismo pelos fatos. Se tivesse produzido apenas esse resultado, já bastante gratidão lhe deveria a sociedade; porém, faz mais: mostra os inevitáveis efeitos do mal e, conseqüentemente, a necessidade do bem. O número daqueles a quem proporcionou sentimentos melhores, neutralizou as más tendências e desviou do mal é maior do que se pode pensar e aumenta todos os dias. É que para estes o futuro deixou de ser uma coisa imprecisa, vaga; não é mais uma simples esperança, é uma verdade que se compreende, que se explica, quando se vêem e ouvem aqueles que vêm até nós se lamentar ou se felicitar pelo que fizeram na Terra. Todo aquele que é testemunha disso se põe a refletir e sente a necessidade de se conhecer, de se julgar e de se modificar.
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